Em busca de companheirismo e intimidade
Eclesiastes 4.9-10
Introdução:
A palavra amor simplesmente não é aceita nos meios científicos. A psicologia e a psiquiatria, ciências à princípio dedicada ao estudo do comportamento humano e suas disfunções, parecem reticentes ao considerar o amor como um tema de investigação e interesse.
A maioria dos experts em conduta humana, quando fala em amor ou do “estar enamorado”, simplesmente sorri sob constrangimento, remetendo o tema aos poetas e filósofos, uma vez em que o mesmo não é “científico”.
O amor faz com que o mundo gire, mas os cientistas optam por não lhe dar atenção!
O conceito de “amizade” é igualmente indefinível. Parece ser independente do amor em alguns casos e dependendo em outros. Alguns autores opinam que a amizade é o primeiro passo em direção ao amor. Aliás, Santo Agostinho falou dela como a mais alta forma de amor! Estamos então condenados a fazer vista grossa no que diz respeito ao amor e a amizade por causa dos critérios científicos ou vamos encará-los na perspectiva de Deus.
1. ESTABELECENDO UM PROCESSO RUMO A MATURIDADE
A habilidade de “criar”, “gerar” intimidade, depende de algumas áreas de ação/habilidade no processo de estabelecer processos significativos.
Pode parecer uma contradição dizer que por um lado a intimidade depende de certas habilidades e por outro de autenticidade, de que a pessoa seja ela mesma. Um bom exemplo a considerar é que a criança pequena, raras vezes tem problemas que a impedem de criar intimidade primeiro com sua mãe e a seguir com seus familiares. Isto ocorre devido ao fato de que ela necessariamente vive no “aqui e agora” e por isso pode criar e gozar a intimidade. Todavia, a medida que cresce recebe mensagens que interpreta como proibições ou contradições à sua tendência natural (Deus nos fez para a intimidade) de criar e gozar relacionamentos íntimos e profundos. Com estas mensagens armazenadas no cérebro, começa a sair do aqui e agora, da rica vivência do presente, por estar vivendo no passado recordando as mensagens arquivadas em sua mente, ou por temor do futuro ou marcada pelas advertências!
Quantas das seguintes frases você ouviu e armazenou quando era criança:
“Cuidado com as pessoas”
“Não me incomode agora”
“Não fique olhando para os outros”
“São pessoas de má reputação”
“Todos os homens (mulheres são iguais”
“Todo mundo gosta de se aproveitar”
“Antes só do que mal acompanhado”
“Não converse com desconhecidos”
“Cedo você verá como é a vida de casado”
“Não se pode confiar em ninguém”
“Não chore na frente do outros”
“Roupa suja se lava em casa”
“Gente melosa é gente fraca”
“Ninguém tem que saber da tua intimidade”
Deste modo, o instinto natural da criança frente a intimidade foi se extinguindo sistemática e gradualmente pela advertência ou proibições que os pais e outras fontes de formação lhes transmitiram ainda que com a melhor das intenções ou inconscientemente, tatuando sua alma de forma indelével!
Ao chegar a adolescência já possuímos ou geramos uma série de obstáculos que nos impede de criar e desenvolver relacionamentos íntimos o que é vital para o desenvolvimento da psico-afetividade do ser humano, desenvolvimento este que deveria atingir sua plenitude no contexto do casamento.
O que significa a respiração para a vida é o mesmo que significa a comunicação para o estabelecimento e desenvolvimento de relacionamentos saudáveis, crescentemente maduros e terapêuticos!
As ações/habilidades que vamos ver têm como objetivo detectar e remover as barreiras estabelecidas devolvendo a cada um sua capacidade de desejar e desenvolver processos relacionais de intimidade.
2. AÇÕES GERADORAS DE COMPANHEIRISMO E INIMIDADE
a. Individualidade – Criar intimidade é crescer pessoalmente, sendo eu mesmo.
Relacionamentos superficiais são estabelecidos na pré suposição de que é preciso maquiar-se, fantasiar-se para ser aceito pelo outro. Isto leva a uma terrível perda de identidade, que levada a patamares patológicos nos torna indivíduos sem rosto, mutilados no ser.
b. Percepção empática – Criar intimidade é reconhecer que “percebemos” o mesmo mundo de formas diferentes.
Lamentavelmente somos ainda (homem e mulher) dois seres desconhecidos. Há uma lamentável ignorância quanto a identidade biopsíquica do macho e da fêmea. Conhecemos bem nossas diferenças físicas, anatômicas, mas estamos longe de conhecer “quem somos”. Isto é uma das mais evidentes marcas da queda do gênero humano.
Nossa capacidade de perceber é afetada desde o nascimento pelos critérios pessoais que desenvolvemos para percepção do mundo ao nosso redor. Isto está relacionado com a formação de nossos pais, como meio ambiente onde nos formamos, e com as diferentes fontes de educação que interagiram em nossa história.
Nossa capacidade de “perceber” está afetada pelos inúmeros preconceitos que nos foram transmitidos (preconceitos é a denúncia da ausência do conceito ou da inconsistência do mesmo).
A percepção empática passa pelo estabelecimento da aceitação incondicional do outro!
c. Autenticidade - Criar intimidade é poder ser eu estando contigo.
A autenticidade não é uma desculpa para ser grosseiro ou mal educado. “Eu sou assim mesmo, e é assim mesmo que eu sou”, não é uma justificativa para agredir outra pessoa somente para sentir-se bem ou desabafar.
Há momentos em que é preciso estabelecer a real diferença entre autenticidade e descontrole, transparência e agressividade.
O oposto da autenticidade é a “reatividade” nas comunicações; incluindo o engano, a manipulação, a mentira premeditada ou a omissão.
Uma relação sem autenticidade nunca pode chegar a gerar intimidade uma vez que existe barreira, uma parede entre as duas pessoas. Às vezes abrimos mão de nossa autenticidade numa tentativa de ser “aceitos” pelos outros, que nos torna pessoas aparentes, superficiais e frustradas.
d. Plásticas – Carícias positivas e negativas
Refere-se as ações, a conduta do indivíduo em lugar de o que ele é. Estão condicionadas ao que ele faz ou tem: Exemplos: “Você tirou boas notas”. “Seu cabelo fica bem assim”. “Você pode faze-lo melhor”. “Você fez três erros de ortografia”. “Aquela pessoa é ótima ela faz de tudo”. “Ela é uma pessoa bem estabelecida”.
e. Beliscões – Carícias negativas incondicionais que insultam a pessoa em lugar de criticar o que ela faz.
Também utilizam o verbo ser na maioria dos casos. Exemplo: “Você é um bruto”. “Você não serve para nada”. “Não seja tão burro”. “Você é um insensível”. “Você desatencioso”.
O valor fisiológico do estímulo em todas as caricias é igual. Todas preenchem a necessidade de reconhecimento. As carícias de maior valor psicológico são as pelúcias, enquanto as de menor valor que lastimam enquanto carregam as baterias são os beliscões.
Precisamos desenvolver a capacidade de dar e receber carícias. As vezes sabemos dar e não sabemos receber. Outras vezes sabemos receber mas não sabemos dar. Isto tem haver com nossa história de vida. É preciso aprender a pedir carícias! Isto não diminui em nada o seu valor.
O lugar das auto carícias
A pessoa que anda dando beliscões em si mesma vai atrair beliscões, cada um tem o direito de dar-se pelúcias desde que sinceras e evitando os excessos. Isto, às vezes representa o melhor auxilio para uma bateria totalmente descarregada de valor e afetividade! Você só pode gostar do outro à medida que gosta de si mesmo. Quando você confia em sua capacidade de cuidar de si mesmo, poderá oferecer ao outro o mesmo cuidado e ternura!
A dimensão da sexualidade nas carícias – para experimentar-mos plenitude temos que Ter uma fusão de seres e não somente de corpos, sob risco de desempenharmos tão somente a função de uma sexualidade prostituída, ainda que legalizada!
f. O Tempo – Criar intimidade é compartilhar nosso aqui e agora. “Há tempo para todo propósito” ( Ec 3.1-8)
A visão das prioridades estabelecidas por Deus. “Ou a igreja discipula ao mundo, ou o mundo, do qual Satanás é o príncipe, discipula a igreja”.
g. Interdependência – Criar intimidade é gozar o Reino o nosso
Raramente iniciamos um relacionamento percebendo uma pessoa como ela realmente é. Na maioria das vezes nos relacionamos com uma mascará e suas ilusões. Uma vez “desmascarada” uma pessoa, descobrimos que a identidade real não corresponde a nossa ilusão e às vezes isso nos martiriza e nos leva a ingentes esforços para mudar o outro, como se pudéssemos refazê-lo a nossa imagem e semelhança; O que resulta sempre numa experiência frustrada.
Examinemos as várias maneiras como nos relacionamos com os demais. Existem basicamente três tipos de relações:
1. A dependência essencial – da infância e às vezes presente na idade adulta, o que implica; a não ser por questões circunstanciais ou transitória, em ter que renunciar parte de seus pensamentos, sentimentos ou vontade, um processo que pode implicar em “vender”, parte da individualidade, para “comprar” a aceitação do outro e então sentir-se seguro! Vale mencionar quão danoso é um relacionamento neste nível.
2. A independência mútua – Nesta relação se eliminam os problemas anteriores porque ambas pessoas mantém sua individualidade e seu direito de auto determinação. Mas geralmente, esta é uma relação sem compromisso na qual não se toma em conta o impacto de um sobre o outro, sendo mais baseada na conveniência do que num projeto de caminhada mútua profunda e afetiva. Sendo sem compromisso também não oferece a segurança tão essencial aos relacionamentos bem sucedidos!
3. A interdependência – O único tipo de relação que facilita ao máximo o aprofundamento da intimidade. Nesta relação cada um é responsável por si mesmo e por seu impacto sobre a vida do outro. Duas notas musicais tocadas simultaneamente, não perdem sua identidade, nem sua capacidade de unir-se a outras notas produzindo um lindo acorde, um novo e precioso som. É uma nova criação que requer a participação cooperativa de ambos, para que se efetive. Este novo acorde corresponde ao terceiro eu da intimidade, criando o Reino do nosso!
Nesta relação existe uma clara definição dos direitos, privilégios e responsabilidades de cada um. Ter um companheiro é mais agradável do que ter um dono ou um escravo, um facilitador é muito mais agradável do que um concorrente. Numa relação assim, cada um tem o mesmo direito de individualidade e autodeterminação. Tempo, espaço, dinheiro, amigos, trabalho, privacidade e etc., são compartilhados livremente e cada um investe a mesma quantia de esforço e tempo na construção do terceiro eu o Reino do nosso.
Com cada um dos seus relacionamentos você pode desenvolver atitudes e condutas que reflitam a convivência de intimidade dentro da interdependência: Ser/com em lugar de somente estar/com; Desejar em lugar de necessitar desesperadamente, Envolver-se em lugar de possuir ou pertencer. Você pode estar junto e livre porque a intimidade permite Querer e não Ter que!
CONCLUSÃO:
Qualquer que seja a natureza do relacionamento (matrimonial, familiar, amizade, social, de trabalho), existem certas exigências tais como limite de conduta, de compromisso etc. Sem os quais a relação não progrediria saudável. Também existem expectativas por parte de cada um; não somente a respeito do outro mas também do relacionamento. A intimidade pode florescer ao máximo quando os dois chegam a um acordo explicito sobre o que exigir e esperar do outro e da relação. O direito de comunicar exigências e expectativas se converte em obrigação mútua para chegar a plenitude da intimidade, ao gozo do Reino do nosso.
Que projeto de conduta vamos construir?
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